quarta-feira, 30 de março de 2011

Jejum & Acção

“Estando os discípulos de João e os fariseus a jejuar, vieram dizer-lhe: «Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu: «Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. Dias virão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.»” (Mc 2,18-20).

O jejum referido neste texto não é o grande jejum anual, preceituado na festa judaica da Expiação (cf. Lv 16,6) nem qualquer outra obrigação consuetudinária. O texto fala da práctica do jejum facultativo, de iniciativa particular. Pois bem, quem quiser, de sua livre vontade pode, em qualquer momento, praticar um jejum por sua iniciativa, de forma particular, nas ocasiões que achar oportunas. É livre disso e tal realidade até é frequente. Contudo, uma ressalva: O jejum instituído e rigoroso na prática católica, isto é, a redução considerável do que se pode comer durante o dia, só é obrigatório na Quarta-feira de cinzas e Sexta-feira Santa. As restantes Sexta-feiras da Quaresma são um tempo propício em que somos convidados a observar a abstinência de carne.

Exemplo duma prática do jejum excepcional foi o que fez o Santo Padre João Paulo II que proclamou para o dia 14 de Dezembro de 2001 um dia de jejum, oração e caridade em todo o mundo, para implorar a paz, invocando as seguintes palavras: "Aquilo de que nos privamos no jejum poderá ser posto à disposição dos pobres, em particular dos que sofrem, neste momento, as consequências do terrorismo e da guerra".

Mas o tempo que estamos a viver, o Tempo da Quaresma, é o tempo memorial em que o esposo nos foi tirado e por isso devemos, com empenho, preparar-nos para o encontro definitivo na Páscoa eterna, através do jejum. Assim, em Comunidade eclesial, devemos jejuar com assiduidade e intensificar o caminho de purificação para a vinda de Cristo Jesus.

O Papa Bento XVI, na sua mensagem quaresmal, refere que o jejum “que pode ter diversas motivações” e formas.

Para o cristão, pode ter um significado profundamente religioso o tornar mais pobre a sua mesa como caminho para superar o egoísmo vivendo na lógica da doação e do amor. Assim, podemos dar aquilo que são os nossos excedentes àqueles que realmente precisam e nada têm ou pouco têm para comer, por exemplo, as muitas pessoas e associações ajudadas pelo “Banco Alimentar”.

Ainda suportando as privações de algumas coisas materiais, fazendo jejum delas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado, reconhecendo Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Dar-lhes tempo e disponibilidade pode também ser um magnífico exercício do jejum. A dependência das coisas materiais não ajuda essa abertura ao outro.

Por isso, para o cristão, o jejum nada tem de intimista, nem é somente o deixar de comer isto ou aquilo, mas encerra em si uma maior disponibilidade para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31).

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: GHERARDUCCI, Don Silvestro dei - Gradual 2 for San Michele a Murano (Folio 78) (1395)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Esmola & Acção

Na semana passada, no artigo Oração & Acção, desenvolvi a ideia que a acção, tendo como fim o bem, tem que ser precedida pela oração. Hoje, imbuído pelo espírito quaresmal, vou falar de um acto particular e concreto que podemos praticar no nosso dia-a-dia e que adquire um forte sentido neste tempo que vivemos. Refiro-me à esmola como acto de amor para com quem precisa.

«O nosso mundo precisa de ser convertido por Deus, tem necessidade do seu perdão, do seu amor e de um coração novo», ressaltou Bento XVI na homilia de Quarta-Feira de Cinzas, na basílica de Santa Sabina no Aventino. Precisa de um coração novo, daquele coração onde palpite o amor que Jesus nos ensinou e o próprio discípulo predilecto nos recorda na sua primeira carta: “Foi com isto que ficámos a conhecer o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos.” (1Jo 3,16). Por isso, nada nos deve animar tanto ao praticar o amor pois é nisso que consiste a perfeição da caridade fraterna: Fazer o bem ao próximo.

A esmola na tradição cristã está ligada, estreitamente, ao jejum. São Leão Magno ensinava num dos seus discursos sobre a Quaresma: "Aquilo que cada cristão deve realizar em todos os tempos, agora deve praticá-lo com maiores solicitude e devoção, para que se cumpra a norma apostólica do jejum quaresmal, que consiste na abstinência não apenas dos alimentos, mas também e sobretudo dos pecados. Além disso, a estes jejuns obrigatórios e santos, nenhuma obra pode ser associada mais utilmente que a esmola que, sob o único nome de "misericórdia", inclui muitas obras boas. Imenso é o campo das obras de misericórdia." (Discurso 6 sobre a Quaresma, 2: PL 54, 286).

No Espelho da Caridade, do Beato Aelredo, abade, (Séc. XII), salienta-se: “Jesus não Se contentou com pedir; quis também desculpar – o Homem –, e acrescentou: Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem. São, na verdade, grandes pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade do seu pecado; por isso, Perdoa-lhes, ó Pai. Crucificam-Me, mas não sabem a quem crucificam, pois se o soubessem, não teriam crucificado o Senhor da glória; por isso, Perdoa-lhes, ó Pai.

Portanto, se o homem quer amar-se a si mesmo com amor autêntico, não se deixe corromper por nenhum prazer da carne. E para não sucumbir à concupiscência da carne, dirija todo o seu afecto à admirável humanidade do Senhor. Enfim, para mais perfeita e suavemente repousar na alegria da caridade fraterna, abrace também com verdadeiro amor os seus inimigos”.

Cristo, no alto da cruz, intercede junto do Pai por nós. Intercede pelas nossas faltas de amor para com Ele e para com o nosso próximo (caridade fraterna - esmola). Mas se a esmola está intimamente ligada ao jejum, a esmola está também profundamente ligada à oração. Exemplo disso é a doação do nosso tempo rezando pelo mundo inteiro, para que este converta o seu coração a Deus. Acredito que uma pequena oração por alguém, poderá suscitar de Deus uma graça incalculável.

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: MOSAIC ARTIST, Italian; The Cross of Life (1118)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Oração & Acção

urante o passado fim-de-semana, decorreram um conjunto de manifestações um pouco por este país fora, mas a mais significativa foi a manifestação da “Geração à Rasca” na zona baixa da cidade de Lisboa, onde estiveram cerca de 200 mil manifestantes. E, ao mesmo tempo e não mais importante, acontecia uma outra manifestação, a dos Professores no Campo Pequeno. Algo está a acontecer, algo estará para mudar!

Dizia Jesus: “Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça” (Lc 21,28), porque algo novo estará para acontecer. Porque todas as mudanças serão boas se elas tiverem em conta o bem comum e eu acredito que quando se operam mudanças estas são para o bem e não para o mal.

Um amigo dizia-me, há alguns dias, que gostava deste tempo, que gostava do tempo que vive, porque é este o seu tempo. E continuava: “porque nunca ouve nenhum tempo na história perfeito e tudo pelo que passamos, são somente aspectos da vivência humana”.

E penso se este meu amigo não terá razão! Eu chego à conclusão que ele tem razão. E sabem porquê? Porque ele reza, poderá parecer paradoxal tal resposta, mas não é porque, pela oração, vê-se uma realidade nova e vive-se numa realidade nova, aquela que todos procuramos. Mas não pensem que isto é redutor! Poderá dizer-se: Rezo, logo, gosto do que está á minha volta! Mas não é isso que se pretende dizer e nada seria de mais errado, porque pela oração saberemos o que fazer de melhor na nossa sociedade uma vez que começamos por nós. Tanto mais que a oração é para nós o fundamento para edificar a esperança, o alicerce para consolidar a fé, o alimento para revigorar o coração, o leme para dirigir o caminho e o refúgio para garantir a salvação.

Se me perguntarem como e o que rezar, posso indicar-vos que começeis pela oração que o Senhor nos ensinou, o Pai nosso. Poderá parecer uma oração simples ou até infantil por estar associada à idade em que foi aprendida, mas outra coisa não é, que ensinamento divino, num diálogo intimo entre nós e Deus e, por ela, Ele mesmo nos irá instruir e aconselhar sobre o que havemos de pedir e fazer.

Do tratado de São Cipriano (séc. III), bispo e mártir, sobre a oração dominical, ou seja, o Pai Nosso, afirma: “A Palavra de Deus, que já estava presente nos Profetas e agora dá testemunho pela sua própria voz. Já não manda preparar o caminho para Aquele que há-de vir, mas vem Ele mesmo, abrindo e mostrando-nos o caminho, a fim de que nós, que andávamos errantes, improvidentes e cegos nas trevas da morte, iluminados agora pela luz da graça, sigamos o caminho da vida sob a protecção e guia do Senhor. (…) Rezemos, portanto, irmãos caríssimos, como Deus nosso mestre nos ensinou. A oração agradável e querida por Deus é a que rezamos com as suas próprias palavras, fazendo subir aos seus ouvidos a oração de Cristo”.

Por isso, antes de fazer seja o que for, Aquele que nos deu a vida, também nos ensinou a orar com a mesma bondade com que Se dignou conceder-nos tantos outros bens e graças. Por esta razão, dirigindo-nos ao Pai, pela oração que o Filho nos ensinou, mais facilmente seremos atendidos e, assim, a nossa vida será tão bela como aquela que o meu amigo vê e vive.

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: ANGELICO, Fra - King David (1445)

quarta-feira, 9 de março de 2011

Vida & Práticas

aros leitores: Começamos hoje a grande viagem da Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa. Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho e da conversão, a Quaresma educa-nos para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo. “Levemos, pois, no navio todas as nossas provisões de alimento e bebida, colocando sobre elas a misericórdia abundante de que teremos necessidade. Porque o nosso jejum tem fome, o nosso jejum tem sede se não se alimentar de bondade, se não se dessedentar com misericórdia. O nosso jejum tem frio, o nosso jejum desfalece se o velo da esmola não o cobrir, se a capa da compaixão não o envolver” (São Pedro Crisólogo, Sermão 8).

Diz o Santo Evangelista: «Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» - e continua: «Quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.» (cf. S. Mateus 6,1-6.16-18).

São Pedro Crisólogo (c. 406-450), Bispo de Ravena e Doutor da Igreja, no seu Sermão 8, relaciona maravilhosamente a prática da esmola e do jejum anteriormente descrita: «A esmola está para o jejum como o sol está para o dia: o esplendor do sol aumenta o brilho do dia, dissipa a obscuridade das nuvens; a esmola que acompanha o jejum santifica a santidade do mesmo e, graças à luz da bondade, remove dos nossos desejos tudo o que poderia ser mortífero. Em suma, a generosidade (esmola) está para o jejum como o corpo está para a alma: quando a alma se retira do corpo, traz-lhe a morte; se a generosidade (esmola) se afastar do jejum, é a morte deste».

E o Santo Evangelista no seu evangelho, continua agora descrevendo como deve ser a prática da nossa oração: «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.» (cf. S. Mateus 6,1-6.16-18).

São Máximo de Turim (? - c. 420), bispo, no seu Sermão 16, ensina-nos uma forma de superar as dificuldades do jejum mediante a leitura da palavra de Deus (oração), ou seja, meditando-a e interiorizando-a, para assim a viver quotidianamente, porque a escuta atenta de Deus, pela sua palavra (Lectio Divina), que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho da nossa fé: «O Senhor tem razão em dizer, neste tempo de jejum, que é o Verbo de Deus que alimenta, para nos ensinar que não devemos viver os nossos jejuns preocupados com o mundo, mas lendo os textos sagrados. Com efeito, o que se alimenta das Escrituras esquece a fome do corpo; o que se alimenta do Verbo celestial esquece a fome. Eis o alimento que alimenta a alma e alivia o faminto [...], que confere a vida eterna e afasta de nós as armadilhas das tentações do diabo. A leitura dos textos sagrados é vida, é a Vida que necessitamos! Como afirma o Senhor: «As palavras que vos disse são espírito e são vida» (Jo 6, 63).

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: LORENZO Monaco - Antiphonary (Cod. Cor. 7, folio 124v) (1406)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Ratio & Fides

pensamento. Como se processa o pensamento? Que causa segue? Biologicamente falando, o pensamento é um processo mental, que constrói conhecimento e que volta a construir-se através dele.
O conhecimento, materializa-se em várias formas, seja ele no interior do nosso ser ou num livro. Contudo tal conhecimento não se expressa somente assim, mas também podem ser numa bela peça de música, pintura ou escultura e são todos frutos do Belo e do Bem.

Por isso este texto é uma exaltação ao pensamento ou razão. Que juntamente com a fé (ratio et fides) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da Verdade e assim possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.

Mas se irracionalmente quisermos separar este binómio razão e fé, chega-se facilmente e pratica-se a conhecida, crítica racionalista. que faz sentir toda a sua força contra a fé, “baseada em teses erradas mas muito difusas e insistia sobre a negação de qualquer conhecimento que não fosse fruto das capacidades naturais da razão” e que qualquer indício de fé é manifestação de um homem inferior e supersticioso (cf. Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, III: DS 3008). Mas tenhamos isto em consideração, a fé não intervém para humilhar a autonomia da razão, nem para reduzir o seu espaço de acção, mas apenas para fazer compreender ao homem que, para compreender os acontecimentos que o envolvem e compreender-se, torna-se necessária esta dupla acção, porque assim não é possível conhecer profundamente o mundo e os factos da história. A fé aperfeiçoa o olhar interior, abrindo a mente para descobrir, no curso dos acontecimentos, realidades não captáveis por si só pela razão.

S. Pedro de Alcântara compôs o Tratado da oração e da meditação - convido a todos a ler esta maravilhosa obra - e conforme diz na dedicatória: “E, tendo lido muitos livros acerca desta matéria, deles extraí brevemente o que me pareceu melhor e de mais proveito”. Então para elaborar qualquer obra literária (fruto da razão) de carácter teológico ou que realizam uma análise racional e teológica da realidade, como é o caso dos textos deste blogue, seguem o método descrito anteriormente de S. Pedro de Alcântara (utilizados por mim: Sagrada Escritura, documentos da Igreja e muitos e excelentes livros escritos por autores santos, doutos e piedosos), ou seja, tudo o que pode ajudar a penetrar e a explicar mais e melhor o sentido e significado daquilo que segundo M. Grabmann deve ser o nosso objectivo: “procurar alcançar um mais profundo conhecimento do conteúdo da fé, para assim substancialmente aproximar a verdade sobrenatural e a razão humana pensante”.

Por fim uma última palavra acerca da insustentabilidade metafísica do ateísmo (somente razão), que segundo me parece é como uma violência sobre a dinâmica mais profunda e transcendental do Homem e do seu próprio conhecimento. Porque pelo ateísmo, o existencial transcendental (fé), que marca evidentemente toda a obra criada, não é considerada e assim não nos conseguimos colocar no caminho que nos levará ao encontro com Cristo, o Bem e o Belo, que esse sim nunca será anónimo ou inexistente – como muitas vezes é apresentado – mas sim pessoal e real, porque é a razão e a fonte da nossa fé.

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: ANGELICO, Fra - Missal 558, Folio 41v (1430)